Não me compreendem. Principalmente ele:
“Como pode um ser tão singular interessar-se sempre pelos plurais?”, pergunta.
Mas tenho me sentido em paz. Não sofro por amor, apenas sinto. As saudades não
me machucam. Traições são irrelevantes, prezo pela lealdade. Desinteressam-me
as relações convencionais. Minhas paixões continuam extremadas e temperando meu
comportamento, mas tenho experienciado solitariamente meus estados. Temo fazer
mal ao Outro com minhas hipérboles e, ao mesmo tempo, sei quão meu é todo este
processo.
R. me acha paradoxalmente sensível, mas
desalmada. Explico que procuro dar aquilo que preciso, não o que querem de mim.
E desejam minha alma, mas eu só entrego o meu corpo: minha alma é propriedade
da minha escrita. As palavras me governam, não há como libertar-me disto: meu
inferno particular guarda este aconchego.
Ontem, chorei antes de dormir. Chorei
por falta de qualquer emoção, o peito estava vazio e a conformidade me
entristeceu. Hoje, apesar de todas as nuvens cor de chumbo, acordei leve,
esfuziante e seduzível. Mas lembro que R. nunca vai me perdoar por não ter sido
ele. Por não ter tido o tempo que precisava. Por não ter causado qualquer
sensação que me tirasse da zona de conforto. Por não ter estado dentro do meu
corpo nem ter arrancado qualquer suspiro de paixão. R. nunca saberá o meu sabor
além da sua imaginação.
Respiro fundo olhando pela vidraça o
vento alvoroçado. Percebo a crosta de poeira sobre meus livros, revisito alguns
capítulos, penso num ensaio de fotos absolutamente original, prendo-me nas
imagens e me divirto infantilmente com as cenas. Todos os telefones estão
tocando. Não os atendo, estou ausente do mundo de fora agora. "T". deve estar
chegando, tem a chave de casa. Quero arrebatá-lo de prazer, fazer amor com
alarde.
(R., me perdoa por eu não precisar do
teu perdão. Você chegou tarde).
( Marla Queiroz )
( Título: Música: Roberto Carlos )
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