heeey apple :B

" (...) Por que no fundo eu sei que a realidade que eu sonhava afundou num copo de cachaça e virou utopia. "





domingo, 18 de maio de 2014

Sobre a humanidade, a similaridade e a falta de vontade.


Tudo no mundo muda. O tempo todo, mesmo quando cismamos em viver aquela ilusão que aquece o coração por um tempo (não por muito, mas aquece), de que a vida finalmente parou no “futuro”, naquele momento bom que tanto desejamos chegar, conseguir, conquistar; o futuro justifica todas as dores e desamores do presente, mas a verdade é que o futuro não existe, só o que existe no mundo – como conseguimos conhecê-lo – é o agora. O futuro não importa.
Eu me casei com uma pessoa completamente diferente de mim. Ele acredita na vida, na felicidade e , pasmem, até no ser humano. Não vou mentir, é exaustivo fingir que eu me preocupo tanto com a tranquilidade, e com a normalidade, e com toda a formalidade do mundo quanto ele, ou o quanto ele gostaria que eu me preocupasse. Ele me disse outro dia: “Ser como você é, é estar em guerra com o mundo e com si mesmo constantemente”. E, embora eu saiba que o comentário, pra ele, foi negativo, pra mim foi um adjetivo positivo. Adjetive-me de mutação e eu vou gritar o hino de Raul como se não houvesse amanhã, inclusive, porque como já disse antes, o amanhã não existe.
Se estou cansada? Sim, sempre. Uma cabeça barulhenta tira da vida de uma pessoa muitas coisas que eu acredito serem importantes. Gente conformada ou conformista nunca sofre de ansiedade. Ansiedade é a doença dos criativos, dos desinibidos, dos causadores de causo, dos loucos. Mas acontece que há anos eu desisti de buscar sanidade porque, pra mim, linearidade é tão apetitosa quanto um sanduíche de cocô. Equilíbrio ajuda a respirar, mas não enxergar o barulho à sua volta faz com que a sua existência como ser pensante seja diminuída à quase nada. E se era pra ser árvore, pra que então estou aqui lidando com gente que não sabe a diferença entre religião e alienação? De opinião e de imposição? De homossexualidade e escolha? De guerra e de realidade? Pra que, meu Deus, se nasci pra ser planta e fazer fotossíntese, estou eu aqui, correndo na esteira dessa vida pra queimar a única coisa que realmente é prazeroza nesse cazzo (chocolate, claro), e passando cremes caros nas rugas que tentamos esconder porque a nossa sociedade acha sabedoria desimportante, mas se sua bunda for dura com cinquenta anos você venceu na vida?
Se estou cansada? É claro que estou cansada, porra, viver no meio de gente alienada, tapada, chata e que passa a vida planejando o casamento perfeito e a casa de cerquinhas brancas com o namoradinho de colégio é mais boçalidade do que o meu cérebro concordou em aguentar pra viver em sociedade. E a nossa, eu te conto, tá falida.
Às vezes a ansiedade não te deixa respirar direito, ou comer direito, ou dormir direito, ou transar direito ou ser você direito, e são nessas horas que eu gostaria do fundo da minha alma escura conseguir sentar a minha bunda cansada no meu tapetinho de yoga e meditar por cinco minutos que fossem. Meditar é privilégio de quem descobriu onde apertar o botão do foda-se até o fundo, e o meu emperra no meio, sempre tem alguma coisa que me fode antes de eu conseguir ligar o foda-se pra ela primeiro.
Eu, que nasci escandalosa e eloquente, eu, que fui sempre a criança que achava idiota conversar com outras crianças, eu, que era a adolescente que achava que beber era idiota e querer ficar loucão era idiota e querer ser igual à todos os seus amigos para ser popular era idiota, eu, que não entendo gente que só funciona em grupos, essa disformidade que é se justificar como indivíduo somente quando há um coletivo que te explique, eu, sozinha, me vejo colocada nessa prisão moral que é viver num país que parou no tempo. E toda manhã enquanto eu tomo meu café, tenho que ver fotos grotescas de uma realeza ativa em pleno século 21 estampadas no meu jornal. A plebe assiste encantada e muda, as bocas cheias de salsicha, e bacon, e conformidade. Eu não quero me conformar, porque no dia em que eu acreditar que isso é tudo, que a vida é isso aqui, que não tem mais nada pra contestar, pra reclamar, pra discordar, nesse dia cinza com nuvens britânicas, nesse dia frio com ventos do mar do Norte, nesse dia chato com humor amargo de quem nasceu na terra que a natureza abençoou com o seu dia de prisão de ventre, esse vai ser o exato dia em que vocês poderão anunciar, eu morri.
Tudo no mundo muda, eu disse lá no começo. O problema não é o mundo, porque ele gira, e na natureza, na bioenergia, na filosofia e no espiritualismo tudo está em constante mudança. Nada fica estático. A porra do problema é a antropologia. É o ser humano que só consegue aguentar essa vida de incertezas quando finge que está no controle, que tem um plano, que sabe o que está fazendo. A gente não sabe de nada, nem da metade do nada a gente sabe.
Eu que nasci com preguiça de todo mundo, percebo que a cada ano que passa só fica pior. Vocês, seres humanos enquadrados, não me convém, não me apelam, não me entretém. A vida tá tão chata que até pra amar outra pessoa tem burocracia: se vocês partilham do mesmo tipo de genitália então, afe.
Tô com preguiça. Tô sem saco. Queria menos extremismos e mais eloqüência. Queria menos casamentos por comodidade e mais crianças sendo educadas pra pensarem por si mesmas. Queria mais Hilda Hilst e menos Paulo Coelho. Queria meditar, mas não consegui e vim aqui escrever este texto cheio de inconformidade. Queria poder ter nascido com o direito de viver pelo simples fato de, mas nasci num mundo capitalista que nos faz escravos do dinheiro até quando já somos muito velhos pra aproveitar qualquer coisa dessa vida.
Queria que fosse Sexta mais ainda é Quinta e eu tenho que voltar a trabalhar.
( Rani Ghazzaoui )

Não era dele.


Antes dele, ela existia. Existia diferente, existia mais doce. Ele foi embora há tanto tempo que seu rosto já não tinha mais formato, sua voz não lembrava mais nenhum som e sua verdade já não fazia parte nenhuma da vida dela. Ela se libertou daquilo tudo, daquele passado, se libertou dele. Depois de anos, depois de tanta coisa errada que deixou que ele fizesse com ela. Mas mesmo assim, mesmo sendo póstumo, mesmo sendo indolor há tanto tempo, mesmo sendo, inclusive, extremamente desimportante agora, o coração dela mudou inteiro por dentro, ficou mais escuro, mais amargo e mais sujo por conta da falta de amor que ela sentiu por todos os anos que precisava ter sido amada por ele.
No fundo ela sabia que, à essa altura, já não era nem mais justo colocar toda a culpa nele. Os anos passaram e a memória dele sumiu, o que sobrou foi o fantasma que agora vive dentro dela, o fantasma que se alimenta das suas inseguranças plantadas e faz com que ela guarde com todos os dedos, e unhas e venenos seus sentimentos pra que ninguém possa mais uma vez usá-los contra ela. Os resquícios ficaram não porque ele ainda fazia parte dela, eles estavam ali porque, é verdade, ela mudou pra sempre.
E toda vez que ela tentava se lembrar de como era enxergar o mundo com olhos mais infantis – aqueles que esperam tudo do mundo, tudo das coisas, tudo de qualquer pessoa porque, de verdade, acreditam no bem – ela já não conseguia; era impossível não jogar a culpa diretamente pra ele, o grande monstro dentro do seu armário chamado passado, impossível não torcer o seu nome dentro da boca, porque tinha jurado nunca mais o repetir, prometido a si mesma que nunca mais daria a ele o prazer de fazer parte da vida dela, dos seus pensamentos, do seu amor e nem da sua raiva. A única grande certeza é que dela ele já não merecia mais nada, nunca.
Todo dia então ela olhava seu rosto mais velho no espelho. Examinava cada linha, cada traço, cada resquício de familiaridade, de lembrança, de reconciliação do seu gesto com seu sentir. Fisicamente quase nada mudou de lá pra cá, sua genética tinha sempre sido delicada com ela, desde pequena, e os anos iam se empilhando levemente em seu rosto que ainda tinha, fisicamente, a capacidade de se contorcer à cada emoção. Mas quando ela olhava fundo, se sentia como se não houvesse ninguém em casa, parecia que, há tempos, tivesse fugido de si mesma e na frente daquele espelho só ficou a carcaça, aquele corpo vazio que imita uma vida que um dia ela tinha sonhado ter.
Amores vieram depois dele, mas ela nunca conseguiu senti-los. Não de verdade, não como se deve.
Toda vez que ela tinha um pesadelo era o rosto dele, roubando dela tudo o que ela sempre supôs ser seu. E a cada relacionamento que ela começava, tentando cantar o mantra de mentiras em sua cabeça de que, dessa vez daria certo, outra parte do seu coração apodrecia, virava enxofre, fedia.
Ela passou tantos anos de sua vida colocando todas as forças do seu amor num amor errado, tantos anos desejando ser amada como ela amava, ser completa junto, entendida, paparicada, desafiada, desafinada, enlouquecida, preenchida e louca de amor, de tesão, de paixão. Mas a paixão que ela viveu, aquele amor que hoje ela conta como sendo o divisor de águas da sua vida emocional, só aconteceu na cabeça dela. E agora quando ela tenta fingir acreditar que está se dando outra chance, ela sabe bem lá no fundo, que toda vez que ela entra agora, ela já entra carregando a derrota, ela passou a se sentir tão mal por si mesma que, antes de tentar acreditar, ela já desistiu.
Ele poderia ser qualquer um. Na verdade, ele foi mesmo qualquer um, um amor barato, bandido, esquecido na quinquilharia que vira aquele espaço do cérebro onde ex namorados, ex amigos e ex chefes se misturam nas mesmas gavetas, empoeirados. O problema dela era guardar tudo, guardar por tanto tempo. O problema era analisar com a lupa tentando achar a solução de um problema que na verdade eram muitos e a resposta era simples.
E ainda que ela encontrasse um amor que desse a ela todas as coisas com as quais ela sempre sonhou, sua vida seria triste. Não porque aquele cara, o mané, não soube a amar direito, mas porque não merece felicidade quem dá de presente a outra pessoa a sua habilidade de se fazer feliz. Ela achava que ela só existia antes dele, mas o que existiu antes, de verdade, foi um grande vazio que precisava ser ocupado por alguém para levar a culpa por ela nunca ter conseguido se amar, se aceitar, se moldar em qualquer formato que ela decidisse precisar ser.

E um dia quem sabe o amor poderia sim ser o líquido que preencheria tudo, mas só quando a jorrada viesse de dentro dela.
( Rani ghazzaoui )

Amor platônico é coisa de iniciante.


Eu não me contento com pouco (Não mais). Eu tenho muito dentro de mim e não estou a fim de dar sem receber nada em troca. Essa coisa bonita de dar sem receber funciona muito bem em rezas, histórias de santos e demais evoluídos do planeta. Mas eu não moro em igreja, não sou santa, não evoluí até esse ponto e só vou te dar se você me der também

Fernanda Mello )